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A TENDA VERMELHA

 

Recentemente li o livro 'A tenda Vermelha', de Anita Diamant, e fiquei emocionada e também comovida com os relatos das histórias destas mulheres, reais ou imaginárias mas que a autora conseguiu construir com uma consistência e uma força muito interessantes.

Há muitos anos venho lendo e me aprofundando nas questões do feminino, não só na perspectiva histórica como na questão pessoal minha e das muitas mulheres com quem convivo e convivi, acrescentando à isto tudo minha experiência com Terapeuta Floral.

Algo que sempre me chamou a atenção e me diferenciou da maioria das mulheres que conheci é que fui uma mulher que sempre gostou de menstruar. Até ganhei, não me lembro mais de quem, esta poesia da Marina Colasanti:

Eu Sou uma Mulher

Eu sou uma mulher que sempre achou bonito menstruar.

Os homens vertem sangue por doença ,sangria ou por punhal cravado, rubra urgência a estancar, trancar no escuro emaranhado das artérias.

Em nós o sangue aflora como fonte, no côncavo do corpo. Olho-d'água escarlate, encharcado cetim que escorre em fio.

Nosso sangue se dá de mão beijada, se entrega ao tempo como chuva ou vento.

O sangue masculino tinge as armas e o mar empapa o chão dos campos de batalha, respinga nas bandeiras, mancha a história.

O nosso vai colhido em brancos panos, escorre sobre as coxas, benze o leito manso, sangrar sem grito que anuncia a ciranda da fêmea.

Eu sou uma mulher que sempre achou bonito menstruar.

Pois há um sangue que corre para a Morte.

E o nosso que se entrega para a Lua.

 

O ser mulher sempre me intrigou, as coisas do ser mulher. Nunca cheguei a ter qualquer reciprocidade e compreensão destes meus sentimentos por ninguém, às vezes nem por mim mesma...

È claro que tive uma vivência extremamente conturbada das minhas questões de gênero e, uma constante e atual (ainda) rebeldia contra todos os postulados, seja sociais, culturais, religiosos e por aí vai. E isto eu posso dizer com certeza, sou contra inclusive aos meus próprios postulados. Acho uma questão de coerência interna, inseparável de alguém que se considere um buscador ...

Mas voltando à Tenda Vermelha, me encantou ver como teria sido possível tal união e compreensão entre as mulheres.  Como se construía uma rede de auxilio mútuo que celebrava e valorizava o feminino.

Separei uma parte que gostei em especial:

..."Logo depois minha mãe reassumiu sua posição formal e continuou: - A grande mãe a quem chamamos Innana concedeu as mulheres uma dádiva que os homens desconhecem, que é o segredo do sangue. O fluxo na escuridão da lua, o sangue benéfico do nascimento da lua, para os homens, é vazamento e incômodo, aborrecimento e dor. Eles acham que sofremos e se consideram afortunados. Nós os deixamos pensar assim. Na tenda vermelha , sabemos qual é a verdade. Na tenda vermelha, onde os dias passam como as águas de um riacho tranquilo enquanto a dádiva de Innana passa através de nós, limpando o corpo da morte do mês anterior, preparando o corpo para receber a vida do novo mês, na tenda vermelha as mulheres dão graças: pelo repouso e pela recuperação por saber que a vida vem de dentro de nós, surge entre as nossas pernas, e que a vida custa sangue.

Então ela segurou minha mão e falou:

Digo tudo isto a você antes do tempo certo, filha minha, embora esteja próximo o dia em que você vai comemorar comigo e suas tias. Você se tornará mulher rodeada de mãos amorosas que vão conduzi-la , vão recolher seu primeiro sangue e incumbir-se de fazê-lo voltar para o ventre de Innana, para o pó de que foram feitos o primeiro homem e a primeira mulher. O pó que foi misturado ao sangue da lua que surgiu de Innana. Infelizmente, muitas das filhas delas esqueceram o segredo  da  dádiva de Innana e deram as costas à tenda vermelha. As esposas de Esaú, as filhas de Edom, que Rebeca despreza, não transmitem ensinamentos nem realizam cerimônias de boas-vindas para suas moças quando elas chegam à maturidade.

Tratam-nas como animais, deixando-as fechadas em algum lugar, sozinhas e assustadas, durante os dias escuros da lua nova, sem vinho e sem os conselhos de suas mães. Não comemoram o primeiro sangue daquelas que um dia carregarão a vida dentro de si., e muito menos o devolvem à terra. Não praticam mais a Abertura, que é assunto sagrado entre as mulheres, e permitem que os homens exibam os lençóis manchados de sangue de suas filhas quando nem o ídolo mais mesquinho exigiria tamanha degradação como tributo.

 Minha mãe viu que eu estava confusa.

-Você ainda não pode compreender tudo isso Dinah- explicou ela.

-Mas logo poderá, e vou fazer o possível para que você comece sua vida de mulher com todas as solenidades e com muito carinho. Não tenha medo."

Este livro nos mostra o início do fim de uma cultura onde a feminilidade era respeitada e valorizada... Onde a relação com o corporal tinha uma outra dimensão, tanto para as mulheres como também para os homens... A sexualidade era vivida de forma um pouquinho mais natural e fisiológica... Era o tempo das prostitutas sagradas...

Eu me lembro muito bem quando menstruei pela primeira vez, minha mãe disse: -" Mais uma vaca para estrebaria." Na época achei estranho, algum tempo depois fiquei chocada, mas hoje em dia eu a entendo e já sei muito bem que ninguém dá o que não tem e nós realmente falamos bastante a esse respeito, dos nossos sentimentos e experiências de vida, nestes últimos anos de convivio.

Recomendo a leitura deste livro, me ajudou muito, ainda hoje, quando já estou no climatério a olhar para mim com mais carinho e compreensão. E isto é sempre bom para qualquer uma de nós...



18/05/2010
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