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POESIAS DE ALBERTO CAEIRO

Estas Verdades

Estas verdades não são perfeitas porque são ditas.

E antes de ditas pensadas.

Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias.

Na negação oposta de afirmarem qualquer cousa.

A única afirmação é ser.

E ser o oposto é o que não queria de mim.

 

Não Basta       

Não basta abrir a janela

Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego

Para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.

Há só cada um de nós, como uma cave.

Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;

E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,

Que nunca é o que se vê quando se abre a janela

 

 

Nunca Sei

Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.

Só se é por um poente não ter uma madrugada.

Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?

 

 

O Espelho

O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.

Pensar é essencialmente errar.

Errar é essencialmente estar cego e surdo. 

 

 

Pouco me Importa

Pouco me importa.

Pouco me importa o que?

Não sei: pouco me importa.

 

O natural é o agradável só por ser natural.

O natural é o agradável só por ser natural.

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,

Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno —

Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,

E encontra uma alegria no fato de aceitar —

No fato sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece

Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?

O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,

Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,

Da mesma inevitável exterioridade a mim,

Que o calor da terra no alto do Verão

E o frio da terra no cimo do Inverno.

Aceito por personalidade.

Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,

Mas nunca ao erro de querer compreender demais,

Nunca ao erro de querer compreender só corri a inteligência,

Nunca ao defeito de exigir do Mundo

Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo

 

 

 

Vive

Vive, dizes, no presente,Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;

Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?

É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.

É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.

Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.

Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas

como cousas.

Não quero separá-las de si - próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.

Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;

Vê-las até não poder pensar nelas,

Vê-las sem tempo, nem espaço,

Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.

É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.



04/06/2011
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