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DELICADEZAS SOBRE A MORTE E O MORRER

Nos últimos dias, antes da morte concreta, me deparei com um desligamento gradual que se transparecia principalmente nos olhos, no olhar. O corpo também se distancia daquele ‘poder’, acho que é essa a palavra, do qual ele é imbuído quando estamos bem e conscientes. Já não está mais ali a ‘pessoa’ no amplo sentido da palavra. Em todo este processo, algo que marcou em mim, foi o tão grande abismo entre o corpo e o olhar. Como a vida se escoa pelo olhar de quem vai, o olhar da mãe foi se apagando aos poucos, o nosso olhar se queda solitário e impotente pois nada mais pode ser transmitido depois desse desligamento. O corpo e a vida, o ser que ali habitava e se foi , como fica sem sentido um corpo, apesar da sua identidade e ao mesmo tempo uma paradoxal falta desta identidade pelo vazio dos olhos...”

 

“Ter a consciência de todo esse processo me ajudou a interiorizar a inevitabilidade da perda, me preparar para ela, assim como em auxiliar minha mãe a fazer a passagem, através de palavras de autorização para que ela pudesse se entregar e descansar, a afirmação de que todos e tudo estavam bem. Percebi que a nossa angústia e medo da morte não permitiam com que ela se entregasse, mas que tentasse se manter como o norte e a força da família que sempre fora.”

  

“O processo de elaboração do luto e da perda, também se faz através da interiorização de aspectos concretos, materiais, que nos ligam à pessoa que perdemos.Tenho sentido muita vontade de costurar, é uma forma de estar mais perto dela. A Eneida, minha irmã, também começou a costurar objetos e a fazer esculturas com suas peças de argila, também percebeu que se aproximou da mãe. Agora que vamos sair para velejar de novo, já estou preparando meus materiais de costura e bordado. É mais fácil começar a interiorizar a mãe a partir das coisas externas, das coisas que ela fazia e a costura desde sempre foi uma das formas como ela cuidava de todos nós, fazendo roupas tanto para nós como para as nossas bonecas. A costura já vem da vó Ninina, com seus bichinhos de feltro, a mãe que começou costurando roupas de bonecas com retalhos, que depois o tio Nelson vendia, de barcos nas casas das ilhas. Depois ela começou a costurar as camisolas da vó Zezé. Traz também dentro disto tudo, a perspectiva histórica das mulheres da família, o que já é uma outra história.”

 

”É muito acolhedor e consolador ver como a mãe e o pai foram pessoas queridas e importantes para tanta gente, é muito bom podermos resgatar esta afeição e admiração para vê-los de uma forma mais humana e menos parental, acho que pode ser muito enriquecedor para nós! Como filhos, toda a história familiar tem um tom carregado dos problemas inerentes a uma vida vivida em comum. Perceber a personalidade pública de nossos pais nos ajuda a vê-los mais como gente e menos com pais e assim trazer para nós todas suas qualidades.”

 



04/04/2010

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